Maurício Adinolfi Textos



Clumsy Stalker



Um macaco foi tragicamente isolado do resto de sua comunidade por causa de uma catástrofe natural, em algum lugar entre Celta e Gibraltar. Para não morrer, teve que arrancar de si um indivíduo inteiro, com o objetivo de substituir sua antiga personagem social por uma outra coisa, porque o vazio é intolerável. O processo exigiu uma tecnologia afetiva perfeita, um proto-homem decidido a cruzar o Estreito, alucinado pela liberdade, com polegares-opositores desenvolvidos, que cresceram durante uma madrugada dolorosíssima. É macumba pura o que você está sentindo agora. É nosso amigo macaco quem põe agulhas nos olhos do seu boneco, é ele que insufla as velas, é ele quem vai navegar em direção a você. No entanto, os tambores que você escuta não são reais, é você que alucina seu medo. Você tem horror deste lugar entre a Europa e a África, onde tudo pode acontecer. Tráfico de espécies, de substâncias, pirataria romântica, morte acidental.

O macaco, só é possível interceptá-lo em estado de viagem. Seu quintal é o meio da rota entre a civilização e o desconhecido, de onde o primeiro homem manda suas mensagens. É sentado sobre os ossos de outros animais que ele estabelece suas pontes imaginárias. O macaco desenha na areia o indivíduo que ele encontrará quando vencer o Estreito, com 19 asas e 26 pulmões. Há que ser rápido este animal do futuro, deseja, cansado de si mesmo e esperando uma perspectiva menos imperativa e mais doce. Isso que você está sentindo agora é a esperança do macaco, dolorosa, firme e pontiaguda. Cheque as mensagens eletrônicas, os bips digitais, as ondas curtas, a radioescuta, os pombos-correios. O macaco quer te encontrar e você pode sentir este desejo enorme de te canibalizar.

Você tem duas opções: ou confessa que gosta, e festeja a presença do que ainda é sujo, primeiro e perigoso em você, ou compra uma passagem já para um novo planeta, ou uma droga poderosa de efeito sinestésico, dopação imediata. Volte ao estado de viagem. Isso que você está sentindo agora é porque o macaco vai alcançar você.


Márcia Bechara
Paris, 10 de janeiro de 2010.